Lucinda, a humilde do Peru
''O futuro é incerto, a vida
é incerta, tudo é incerto. A única certeza da vida é a morte.''
Essas duas frases de Paulo
Cuba, principalmente, a segunda, sofrem várias adaptações no universo virtual. A
palavra certeza está bastante relacionada à palavra humildade que representa a
verdade, pessoas francas, que reconhecem seus erros, ...
A história de hoje é de um
formato diferente, que se inicia nos dias atuais, na época natalina, na qual
Lucinda, uma mulher já na terceira idade, com seus 66 anos, mas com uma
aparência de quase 70 devido ao grande número de fios de cabelos brancos e
grisalhos prepara-se para a grande noite do mês de dezembro. No dia da ceia de
Natal, na casa de Lucinda, em Lima (capital do Peru), todos os convidados estão
curiosos com as histórias que dona Lucinda iria contar e ela escolheu um
assunto muito importante: a história da vida dela.
– Mas, mãe, essa história não é um
pouquinho grande?! – brinca Vicente, filho mais velho de Lucinda.
– Meu filho, sempre eu conto pequenas
histórias e na maioria das vezes elas são só de humor e hoje eu quero contar
algo diferente: uma história de luta para sustentar você e sua irmã, Luana, que,
como sempre, está atrasada. – responde Lucinda.
Logo quando Lucinda fala da
filha Luana, ela chega com seu marido, Guilherme.
– Boa noite,pessoal! – fala Luana educadamente.
Luana e seu marido se sentam
à mesa de jantar preparada especialmente para a ocasião, já que raramente
Lucinda come na mesa de jantar, pois mora sozinha e gosta de comer no seu
quarto, mesmo sabendo que não é o ideal. Mas naquela noite de celebração do
Natal, uma época de reunir a família e comemorar essa data tão especial, a
família estava muito unida e ansiosa para o momento da contagem da história da
vida de Lucinda. Estavam lá os filhos dela, Vicente e Luana, sua nora Thaís,
seu genro Guilherme e seus netos: uma de sete anos (Laís) e o outro de dez
(Davi Lucas), ambos filhos de Vicente. As crianças falavam:
– Conta a história,vovó!
– Está bom, crianças, irei contar,mas
preciso que prestem atenção! – avisa Lucinda.
– Tá bom. –
respondem as crianças.
Lucinda começa a sua história:
– Essas histórias de hoje, talvez, eu
nunca tenha contado pra ninguém e por isso, escolhi essa data especial, que é o
Natal ,para contá-las. Eu vou começar com a minha infância de sofrimento,mas
não chegava a ser miséria,porque tínhamos condições básicas de vida,porém não
eram muito boas essas condições. Eu sempre quis ter filhos,mas meus pais não
gostavam muito de mim e quase me deram para a adoção, e como eu era uma menina
criada no campo, não sabia que as pessoas tinham o poder de destruir a vida dos
outros,de matar e de fazer outras coisas que infelizmente acontecem.
Nesse momento,Lucinda bebe
um copo d'água para se acalmar porque estava se emocionando com a sua própria
história e passa pela sua cabeça uma espécie de ''flash-back'' sobre sua vida e
ela narra tudo o que ''vê'':
– A minha adolescência foi no campo
cuidando de animais,fazendo faxinas,cuidando de crianças como babá e muitas
outras coisas para trazer sustento a
minha família para pagar o tratamento de um irmão que tinha problemas mentais e
que morreu no ano passado, como sabem.
As lágrimas correm novamente
e ocorre uma pausa no momento de contar histórias e Vicente tenta ajudar a mãe:
– Não precisa contar mais, mãe. Nós
entendemos que a história é triste de se contar.
– Eu não acho triste. É emocionante contar
essa história do meu irmão. Eu amava demais ele.
Lucinda continua
chorando,porém acha que o melhor é continuar a história para poder transmitir
esse caso de amor para seus filhos e netos.
– Então, continuando: a nossa vida foi de
muita luta, batalha. Todos nós trabalhamos no campo desde muito pequenos.
– Mas vó,porque a senhora não foi embora? – perguntou a neta Laís.
– Laís, na época da vovó, as crianças
trabalhavam para ajudar nas despesas da casa. Na verdade, isso infelizmente
ainda acontece atualmente, mas antigamente era bem mais comum. E eu quando
completei dezoito anos, decidi partir da minha casa. O motivo não era porque
não aguentava mais trabalhar e todo o meu dinheiro ir para o meu irmão Tobias, mas
porque eu não tinha mais importância naquela casa. Ficava abandonada, sem
atenção e aquilo me deixou muito triste e decidi ir pro Machu Picchu, para
conhecer mais daquelas pessoas, os hippies, que ficavam lá e tinham uma vida
diferente, porque muitas vezes fugiram de casa ou foram expulsos. – narrou Lucinda.
– Mas vó,lá no Machu Picchu não é frio? -
pergunta o neto Davi Lucas.
– Não é frio não. É muito frio, quase
fiquei congelada e o principal problema é que eu não tinha muitas roupas de
frio, mas eu arrumei umas roupas com umas pessoas que lá conheci. Mas como
estava falando: meus dias naquele lugar foram inesquecíveis e muito
marcantes,porque eu me tornei mais livre e conheci a trajetória das pessoas que
sofreram muito com os rumos das vidas delas e estavam lá. Essa viagem também me
deixou mais feliz e mais humilde. Eu sempre fui humilde, não me importo muito
com bens materiais e sempre digo a verdade, acima de tudo. Quando eu voltei
dessa viagem de uns vinte dias,minha mãe estava quase morrendo e eu tive que
ser humilde,simples e verdadeira para ajudá-la no tratamento de uma doença
rara. Infelizmente ela se foi,mas eu não fico me perguntando ''por que isso foi
acontecer logo comigo?'' ou ''o que eu fiz para merecer isso?'' ,não,eu encaro
o problema de cara e dou um jeito de resolvê-lo. Como vocês sabem, meu pai
também morreu, mas foi uma morte menos sofrida,pois ele foi dormir e não
acordou mais,já meu irmão Tobias foi para o andar de cima por causa de um
enfarte. –
conta Lucinda emocionada.
– Vó, porque a senhora só usa essas roupas
de velho e feias? – pergunta Laís.
– Laís, que é isso, menina?! Não se pode
falar assim com sua avó! – briga Thaís.
– Deixa quieto isso, Thaís. Ela é ainda
uma criança. – comenta Lucinda.
– Mas, mãe, deve-se aprender com os erros.
– fala Vicente.
– Nesse aspecto eu concordo com você,meu
filho. Eu aprendi com muitos erros que cometi. E respondendo a sua
pergunta,minha neta Laís: eu uso essas roupas porque não gosto de luxo. Eu
aprendi isso com meus pais e com a minha viagem em Machu Picchu. Eu sei que os
seus pais e seus tios têm uma boa quantidade de dinheiro porque trabalham duro,
assim como eu fazia, não agora porque me aposentei,mas eu também sei que vocês
podem me dar boas roupas,mas,como eu disse,gosto de ser simples,como meus pais.
– revela a matriarca da família.
– Então agora podemos começar a nossa
ceia? – pergunta Luana,filha de Lucinda.
– Eu vou pegar as travessas! Alguém me
ajuda? – pergunta Lucinda.
– Deixa que eu,o Vicente,a Thaís e Luana
pegamos. Fique sentada aqui mesmo com as crianças! – fala o genro de Lucinda, Guilherme.
Luana e seu marido e Vicente
e sua esposa levam as comidas para a
mesa da ceia e a ceia com vários pratos especiais que são preparados para o
Natal no Peru foram feitos,inclusive o peru natalino. A ceia ocorreu como o
planejado,as comidas estavam ótimas,tudo feito por dona Lucinda,também mestra
na cozinha. No final da noite,ela contou sobre o nascimento dos filhos:
– O Vicente nasceu de um amor com um homem
simples,assim como eu. Ele era cantor em um barzinho simples aqui do Peru,porém
ele morreu num acidente de carro. Já o pai da Luana era um policial que me
encantou muito,ele me amava demais e infelizmente morreu antes mesmo da filha nascer,durante
uma troca de tiros com criminosos e traficantes. Mas agora vamos falar de mais
coisa boa: vocês,meu genro e minha nora,que aturam meus filhos,que amo muito. E
vocês meus netos,eu gosto muito de vocês dois!
Todos abraçam e beijam dona
Lucinda. Antes de todos saírem da casa de dona Lucinda,são distribuídos os
presentes de Natal e todos gostam quando a pequena Laís fala:
– Vó,eu gostei muito da sua história,você
é minha heroína,minha Lucinda, a humilde
do Peru.