Márcia
andava pela casa atrás do filho Guilherme, um menino de oito anos que sempre
era muito feliz e ativo. Guilherme brincava com a irmã mais nova, Gabriela, que
ela chamava carinhosamente de Gabi. As crianças brincavam de ''pique pega''
pela casa, enquanto Márcia procurava o filho porque ele deveria fazer a lição
de casa da escola. O menino era dedicado aos estudos, porém muitas vezes
priorizava as brincadeiras com a irmã mais nova. Depois de tanto correr,
finalmente Márcia conseguiu encontrar o filho.
-
Guilherme, vamos fazer a lição de casa?! - disse a mãe.
-
Ah, deixa pra depois, mãe. Eu tô brincando com a Gabi.
-
Filho, você precisa fazer a lição.
-
Mas, mãe, amanhã é sábado.
-
Filho, vamos fazer logo a lição para brincar no fim de semana.
-
Ah, mãe. Não quero fazer dever hoje!
-
Você vai fazer sim.
-
Deixa eu brincar só mais um pouquinho.
-
Está bem, então. Mas só um pouco.
Como
sempre, Márcia acabou cedendo aos pedidos do filho. Observando a cena de longe,
Célia, a empregada e grande amiga pessoal de Márcia, comentou com amiga:
-
Márcia, você acaba aceitando tudo. Parece que eles mandam em você.
-
Célia, eles são crianças ainda.
-
Mas por que você acaba cedendo a tudo?
-
Eu acho que cedendo a várias coisas é uma forma de recompensar a ausência do
pai deles. Eu me sinto culpada por eles não terem um pai presente.
-
Claro que a culpa não é sua. A culpa é do Leandro, que é um irresponsável que
foi se envolver no mundo das drogas.
-
Célia, eu me sinto culpada por ter me casado com ele.
-
Mas você não sabia que ele era drogado!
-
Eu não consigo explicar isso direito, mas o sentimento de culpa sempre está
comigo.
-
Larga isso, amiga. Como diz aquela música, ''levanta, sacode a poeira e dá a
volta por cima''.
-
Eu estou mais para aquela música ''desilusão, dança eu , dança você na dança da
solidão''.
-
Não fale mentiras! Você nunca estará na solidão. E a minha amizade?
-
É modo de dizer. Estou na solidão no amor.
-
Você não sente nada mais pelo Leandro?
-
Não tem como eu sentir nada por aquele canalha. Ele nos largou para ficar
vivendo de droga e vendendo muamba por aí.
-
Isso é verdade.
-
Agora eu vou lá chamar o Guilherme para fazer a lição de casa.
-
Está bem.
Márcia
vai ao quarto de Guilherme e encontra o filho no banheiro com intenso
sangramento pelo nariz.
-
O que houve, Guilherme?
-
O meu nariz tá sangrando.
-
Como isso aconteceu?
-
Não sei, foi do nada.
-
Você não bateu com o nariz em nada ,não?
-
Não.
-
Tá. Então vira a cabeça pra cima, acho que assim melhora.
Guilherme
segue as recomendações da mãe e o sangramento para. Depois daquele momento,
Márcia leva o filho para fazer a lição de casa. Durante a lição, o menino
queixa-se de dores.
-
Mãe, meu joelho tá doendo muito.
-
Meu Deus, Guilherme, você está impossível hoje. Não adianta inventar desculpas
para fugir da lição de casa.
-
É sério, mãe. Tá doendo! - reclama o menino, com voz trêmula.
-
Você deve ter batido durante a brincadeira com sua irmã. Já sei: da próxima
vez, vocês vão brincar sentados de vídeo game.
-
Mãe, tá doendo.
-
Sossega, filho, e vamos fazer o dever!
-
Não dá!
-
Então vamos botar um pouco de gelo.
Márcia
vai à cozinha pegar gelo.
-
O que houve? - perguntou Célia.
-
Guilherme tá reclamando de uma dor no joelho.
-
Ele tá fugindo dessa lição de casa. - diz Célia, rindo.
-
Também achei, mas ele continuou reclamando muito.
-
Não é melhor levá-lo num pediatra?
-
Vou ligar para a doutora Carla hoje mesmo, mas agora vou levar o gelo para ele.
Márcia
saiu da cozinha que estava toda limpa e levou o gelo para o filho.
-
Mãe, tá muito gelado! - exclamou o menino.
-
E existe gelo quente?
-
Põe no fogo.
-
Vai derreter, meu filho. Agora fica quieto e continua a fazer o seu dever.
-
Ah, não. - fala Guilherme, desanimado.
-
Vamos, filho! - incentivou Márcia.
Enquanto
Guilherme fazia a lição de casa, Márcia aproveitou para ligar para a médica do
filho, mas ela não atendia.
-
Márcia, ela não atende não? - perguntou Célia.
-
Não.
-
Ah, quase me esqueci! Leandro ligou. Ele quer sair com as crianças.
-
Tá. Ele disse quando?
-
Não acredito que você vai permitir uma coisa dessas.
-
O juiz ordenou isso. Ele tem direito a essas visitas, mas devem ser aqui perto.
-
Eu nunca deixaria.
-
Também não, mas se eu não deixar, é capaz dele ficar com a guarda, e isso é o
que eu menos quero.
-
Concordo.
-
Então, eu vou ligar para ele.
-
Ele deixou o novo número dele aqui. -
disse Célia, enquanto entregava para Márcia um papel pequeno com o número de
Leandro.
-
Tá, valeu, Célia.
Márcia
pega seu telefone novamente e liga para o pai de seus filhos, Leandro.
-
Leandro?
-
Eu. É você, Marcinha?
-
Para você, é só Márcia mesmo.
-
Tá. Não esperava você me ligar.
-
Por quê?
-
Você quase sempre manda Guilherme e Gabi falarem por você.
-
Mas é porque a Célia me avisou do seu recado.
-
Que bom. Pelo menos essa velha serve pra alguma coisa.
-
Menos, Leandro. Ela é minha amiga e de confiança. Não venha falar mal dela!
-
Tá. Mas continuando... eu quero sair com eles amanhã.
-
Amanhã? É dia 24!
-
Sim. Eu tenho meus direitos.
-
Eu sei disso. É porque o Guilherme sangrou o nariz e o joelho dele tá doendo
muito.
-
Para de desculpa esfarrapada.
-
Não é desculpa esfarrapada! Pode ser sério.
-
Você tem que ensinar ele a encarar elas dores bobinhas como homem.
-
Mas pode ser algo muito mais sério!
-
Claro que não é. Para com essa frescura. Arruma eles, porque amanhã de manhã
passarei aí para buscá-los.
-
Aonde você vai levá-los?
-
Um passeio pela cidade, zoológico, shopping... coisas de criança.
-
Ok.
-
Tchau, Marcinha. - provocou Leandro.
-
Até amanhã, Leandro.
Márcia
desligou o telefone e comentou com Célia:
-
Ele vai passar aqui amanhã de manhã!
-
Mas e o Guilherme? Como ele vai desse jeito?
-
Leandro não tá nem aí pra isso.
-
Então não deixa ele ir, só Gabi vai.
-
Se eu fizer isso, Leandro é capaz de entrar aqui e levar Guilherme na força, na
marra.
-
Não sei como esse juiz deixou ele sair com as crianças.
-
O juiz disse que o Leandro estava melhorando.
-
Esse homem só podia estar maluco.
-
Pois é...
Márcia
voltou para a sala.
-
Mãe, já fiz toda a lição. - disse Guilherme.
-
Que bom. E o joelho?
-
Tá mais ou menos.
-
Você tava falando com quem no telefone? Era o papai?
-
Sim,era o Leandro.
-
O que ele queria?
-
Sair com vocês.
-
Quando?
-
Amanhã de manhã.
-
Gabi, papai vai sair com a gente amanhã de manhã! - gritou Guilherme.
-
Ebaa!!! - gritou Gabi.
-
Mas vocês devem se comportar. Agora, vocês podem ver um pouco de TV.
-
Tá bom. - disseram as crianças.
O
dia passou rapidamente e a manhã do dia 24 de dezembro chegou ligeiramente.
Guilherme e Gabi acordaram felizes e ansiosos. Com a ajuda de Célia, Márcia
arrumou seus filhos, e uma hora depois, por volta das oito da manhã, Leandro
chegou à casa onde os filhos moravam. As crianças e Márcia foram para o portão.
-
Vê se cuida deles! - disse Márcia.
-
Claro! - respondeu Leandro.
-
E o Guilherme? Melhorou?
-
Mais ou menos. É bom ficar de olho.
-
Tá.
-
Vocês voltam que horas? Hoje é dia de ceia!
-
Antes das cinco da tarde.
-
Está bem.
-
Tchau, se não vamos perder a manhã
inteira.
As
crianças se despediram da mãe e logo entraram no carro de Leandro. Dentro do carro, o clima estava ótimo entre o
pai e as crianças. Passadas algumas horas, Célia, na casa de Márcia, assistia a
um programa de TV sobre saúde que estava falando sobre a leucemia.
-
Os principais sintomas são sangramentos pelo nariz, gengivas ou menstruações
muito intensas, sem motivos aparentes. Também podem acontecer dores nas
articulações e nos ossos, inflamação e aumento dos nódulos linfáticos, dentre
outros. - destacava um especialista, na TV.
Célia
ficou muito preocupada porque no dia anterior, Guilherme chegou a apresentar
dois desses sintomas. Desesperada, a empregada e amiga de Márcia, chamou-a e
ela logo foi à sala da casa.
-
O que houve, Célia?
-
Na TV.
-
O quê?
-
No programa de saúde.
-
O que houve?
-
Falaram da leucemia e os sintomas.
-
Que bom. Devemos ficar atentos aos sintomas dessas doenças.
-
O Guilherme.
-
O que tem ele?
-
Ele teve dois sintomas.
-
Como assim?
-
O sangramento e a dor no joelho.
-
Meu Deus! Não quero nem pensar nisso.
-
Pode ser leucemia, Márcia.
-
Não posso acreditar nisso. Preciso falar com o Guilherme.
-
Vai falar o que para ele? Que ele tem uma doença que mata?!
-
Não. Para saber como ele está.
-
Tá. Vou ligar para ele e te passo o telefone.
Célia
logo ligou para Leandro e ele atendeu:
-
Quem é?
-
Oi, Leandro. É Célia. A Márcia quer falar rapidinho com o Gui. Passa para ele
por favor.
-
Tá.
Célia
passou o telefone para Márcia, e Leandro, para Guilherme.
-
Oi mãe.
-
Oi Gui.
-
A gente tá passeando.
-
Filho, e o sangue no nariz e a dor do joelho? Voltaram?
-
Não. Por quê?
-
Nada. Deixa eu falar com o seu pai.
-
Ele tá dirigindo. Tem policial aqui na estrada agora. Não dá para ele falar.
-
Estrada? Qual estrada?
-
Não sei o nome. É alguma BR. Não tem nada aqui perto, só mato.
-
Já saíram dos policiais?
-
Agora sim.
-
Então passa pro seu pai.
Guilherme
logo passou o telefone para o pai.
-
Você tá louco de levar seus filhos pra fora da cidade? Muito mais com o
Guilherme com sintomas de leucemia. - disse Márcia brava e desesperada.
-
Leucemia? Como assim?
Leandro
desesperou-se com a notícia que recebeu e assim, perdeu o controle do carro e
não percebeu que foi para a pista errada, sendo assim acertado por um caminhão
que estava em altíssima velocidade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário