Amanhece. Seu reflexo aparece molhado no espelho do
banheiro. Chegou o grande dia. A data de sua liberdade. Cortou seus cabelos.
Raspou a barba. Estava preparado. Ao pegar seus pertences, entregou o uniforme
carcerário e o portão se fechou a suas costas, eclodindo o último suspiro de
bondade em seu coração. Agora ele era um monstro. Se um dia o acusaram
injustamente de assassino, pode ter certeza que ele havia se tornado um, da
pior espécie possível. O ódio fervia em suas veias e ele estava ansioso para
começar seu plano de vingança.
Depois de ir até o banco, comprou uma passagem para
São Paulo, sua cidade de origem e partiu para o local. No caminho, dentro do
ônibus, observava uma família se divertindo e começou a invejar. A dele havia
sido destruída e a futura também. Tudo por causa daquela maldita bicha louca.
Ele nunca iria perdoar seu irmão por ter feito os gostos dela e ter assassinado
os próprios pais e armar sua prisão. Mas ele estava voltando e iria fazer
justiça.
Já era de noite, quando chegou ao seu destino. Pegou
um taxi. Resolveu conversar alguém que sempre que pudera o visitara nas prisões
e acredita em sua versão. Sua Tia Marisa. Já passava da meia-noite quando
apertou a campainha. Ela o saudou com grandes abraços. Serviu-lhe a janta e
começou a lembrar de a partir de fatos, o passado perfeito da família. Pela
primeira vez em anos, Gregório derramou lágrimas sobre sua pele escura. Ver sua
mãe vestida de noiva com seu pai era o melhor presente que poderia receber de
natal, que alias faltava um dia para acontecer.
Tirou suas vestes e se despiu naquele chuveiro. A água
caia bruscamente em seu corpo, limpando-o de qualquer vestígio que se lembrasse
da prisão, mas sua mente ainda era de um criminoso. Por mais puro fisicamente
que se tornasse, por mais que a vontade de voltar no tempo era enorme. De se
misturar aquela água, virar objeto da natureza. Inocente, meiga. Ele não
conseguia. Estava enfermo de vingança.
Vestiu sua camiseta xadrez. E fitou um bilhete de
papel deixado sobre sua escrivaninha. O Endereço do casal bandido. Ficou tão
fascinado que quando percebeu estava dentro do metrô. Mas uma surpresa ainda
estava por vir. Eles estavam lá, sentados, abraçados, gargalhando um para o
outro. Seu irmão Lucas! Como ele estava barbudo! Havia crescido desde o último
encontro! Mas aquela bicha Jacobina não havia mudado nada, estava como sempre,
com aquela franja loira jogada para o lado. Aquele perfume insuportável de
rosas inglesas e aquele batom mortífero. Mas ele iria acabar com aquela
palhaçada já. Sacou a arma do bolso e mirando no vidro da frente, disparou.
Ouviram vários gritos e voltou com satisfação. Gotículas de suar caiam de sua
testa. Respirava agora ofegante. Mirou o casal que parecia perplexo e beijou a
arma, disparando mais uma vez.
Acordou. Estava amarrado em um hospital psiquiátrico.
Mas o que ele estava fazendo ali? Começou a gritar e quando voltou estava no
metrô. Fora apenas um sonho. Mas parecia tão real. Desceu na estação que
desejara e olhou ainda para o bilhete. Alugou uma bicicleta e saiu pelas ruas e
contemplar o orvalho daquela manhã. Parou em frente um sobrado, com coníferas
enfeitadas com luzes natalinas. Deu meia volta e percebeu que não havia ninguém
na propriedade. Mas se enganara, pois quando se adentrou pela janela,
ouviu
a risada de uma criança. Escondeu-se. Um homem de avental corria feliz atrás do pequeno e logo em seguida outro de gravata apareceu o abraçando por trás. Começou a chorar dali onde estava. Seu próprio irmão o apunhalava pelas costas casando e adotando uma criança com aquela criatura megera, dos infernos. Pensou em atirar, mas uma tontura forte o abateu. Ele desmaiou em um tom orquestral.
a risada de uma criança. Escondeu-se. Um homem de avental corria feliz atrás do pequeno e logo em seguida outro de gravata apareceu o abraçando por trás. Começou a chorar dali onde estava. Seu próprio irmão o apunhalava pelas costas casando e adotando uma criança com aquela criatura megera, dos infernos. Pensou em atirar, mas uma tontura forte o abateu. Ele desmaiou em um tom orquestral.
Abriu os olhos. Estava num clube de natação. Mas quem
era aquela que havia acabado de passar? Bete Ratton. Puxa vida, ele não a via
desde os tempos do colégio. A chamou pelo nome, mas ela não ouviu. Quando
percebeu estava no meio de pessoas. Ficou perdido ali. Mas então avistou de
longe aquele casal. Algo como nunca havia sentido tomou-o aos pedaços. Ele
começou a tremer, mas não era de febre, era de algo que ele não sabia, algo
interno, mental. Sentia desejo por ter aquilo. Mas sua família nunca o
permitira. Ele tinha que ser homem, tinha que casar com uma mulher. Mas ele
amava outro homem. Não, não podia ser. Ele não era gay. Fora apenas uma
admiração, mas que admiração era aquela que tomara conta de seu corpo
inteiro? Começou a se contorcer. Apertas
as mãos. Mordê-las. Foi então que se lembrou.
Ele estava em casa, ainda era pequeno, andava com seu
velotrol pelo quintal, quando sua mãe chegou com a irmã nos braços. Acabara de
sair do hospital. Veja Gregório, trouxe uma irmãzinha para você. Sei que queria
um irmãozinho, mas vai ter que se contentar. Mamãe não pode mais gerar filhos,
fez laqueadura pelo diabetes. NÃO PODIA SER. Ele fechou os olhos, estava
naquela casa silenciosa. As pessoas que corriam felizes eram seus pais. Aquela
menina pequena era sua irmã. Não ele não podia ter feito isso. Não, haviam
feito uma sacanagem com ele. Ele não havia sido preso por causa disso. Foi uma
injustiça. Não pelo amor de Deus diz que não foi verdade. Diz que ele não
cometeu tamanha atrocidade.
De supetão voltou ao metrô. O tiro acabara de sair de
suas mãos, mas quem estava lá não fora o casal gay que vira anteriormente, fora
seus pais. Ele havia matado os próprios pais. Mas por que, por que ele fizera
isso? A resposta quase veio instantaneamente fatal, neutralizando o ácido
estomacal. Ele os vestira como personagens da sua mente. Sua mente o pregara
peça. Ele tinha pânico, temor a um casal gay. Os via por toda parte. Sentia
inveja. Clamava por justiça. Mas como ele deixou chegar a tal ponto? Por que
ele não procurou ajuda? O hospital psiquiátrico!
Ele acordou assustado. Estava no meio de uma sessão
com seu analista. Era ainda nove horas da noite. Saiu correndo. Berrando pelos
corredores. Os outros internos levantaram reclamando. Ele se ajoelhou na
enfermaria e implorou pelo seu remédio. Colocou as cápsulas na boca e...
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