sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Episódio 1: Socorro!

Cena 01. Clip, ruas. Exterior, dia.
Edição apresenta um clip das ruas de São Paulo, 25 de Março. Comerciantes ganham a vida.
Corta para:

Cena 02. 25 de Março. Exterior, dia.
Estamos na 25 de Março. Várias pessoas andam pelo local, e a área mais disputada é onde ficam dois camelôs, um de frente para o outro: O de Socorro e o de Raimunda. As mulheres falam alto, negociam preços com clientes, etc. O movimento de pessoas começa a diminuir. As duas aparentam cansaço.
SOCORRO - (Cansada, se sentando em uma cadeira) Ah! Hoje o dia foi fogo... Tô cansada, pobrezinha, consumida.
RAIMUNDA - Ninguém mandou você ser feia, pobre e velha...
SOCORRO - (Irritada) Velha? Meu amor, espelho incomoda ou você não se olha nele mesmo?
RAIMUNDA - Por que, filhote de Cruz Credo?
SOCORRO - Raimunda, não provoca não, que eu não tô de brincadeira, tá?
RAIMUNDA - E eu tô? Se toca, ariranha! Eu tô falando sério!
SOCORRO - E se você não calar a boca eu vou aí e quebro tua cara! Égua!
Socorro suspira. Corta para:

Cena 03. Casa de Socorro. Interior, dia.
Estamos em uma pequena casa suburbana, totalmente bagunçada. Deitado no sofá está Astrogildo, de cuecas. Ele come pipoca e assiste a TV (Que no momento exibe o clip de um funk qualquer, com mulheres sensuais), na qual está vidrado. Garrafas de cerveja vazias jogadas no chão.
ASTROGILDO - (A TV) Vai sua potranca, rebola essa comissão de trás! Delicí/
Chega Socorro.
SOCORRO - (Chocada) Mas o que é isso? Hein, vagabundo?
ASTROGILDO - Que mal tem, hein, cachorra? Eu sou macho, pô. (Se assanhando) E você minha fêmea.
SOCORRO - (Ofendida) Me respeita, Astrogildo...! Eu não sou uma dessas tuas negas!
ASTROGILDO - (Excitado) Vem cá, delicia, vem! Deixa eu te usar!
SOCORRO - (Preocupada) Eu? Não posso, Astrogildo!
ASTROGILDO - (Mais excitado ainda) Mas por que não? Vem logo, peituda/
SOCORRO - (Irritada) Ô desocupado, eu tô cheia de serviço, sabia? Acha que eu tenho tempo pra essas bobagens?
ASTROGILDO - (Confuso) Acho... Tu é minha mulher!
SOCORRO - (Irritada) Meu amor, eu trabalho, eu cozinho, eu frito ovo, dou banho em cachorro e ando de chinelinho!
ASTROGILDO - (Se irritando) Então vai te catar, cachorra. Aproveita e pega uma cerveja na geladeira, vai.
Ela joga um chinelo nele, que joga de volta. Socorro desaba em um sofá, e de repente o telefone começa a tocar.
SOCORRO - (Se levantando) Mas o que é isso? Um complô contra mim? Essa gente não tem mais o que fazer?
Socorro atende o telefone.
SOCORRO - (Ao Tel.) Alô? (p) Sim, é ela. (p) Sim, sou sobrinha da dona Difuntina. (p) A um bom tempo que não vejo ela, sim. (p) Ela tá doente? (Chocada) (p) Quase morrendo? (p) Eu preciso ir ao ACRE? (p) (Gritando) Tratar sobre uma HERANÇA? (p) Sim, eu vou. (p) Sim, hoje mesmo. (p) Cacete, não interessa se eu vou de ônibus ou avião. (p) Tá. Um beijo pra ela. (p) Tchau.
Socorro tem uma expressão perplexa. Ela senta no sofá.
SOCORRO - (Chocada) Tô 'perplecta'!

Cena 04. Quarto Socorro. Interior, noite.
Socorro coloca várias roupas na mala, apressada, enquanto Astrogildo a observa, sério.
ASTROGILDO - Mozão, cê tem mesmo que ir pro Acre?
SOCORRO - (Apressada) Super tenho. Minha tia... Meu tio... Ah, tá morrendo! E a velha é rica. Pra ter me chamado é porque quer me dizer alguma coisa.
ASTROGILDO - E quando cê volta?
SOCORRO - Em menos de uma semana com certeza não.
Astrogildo sorri, malicioso.
Corta para:

Cena 05. Casa de Socorro. Exterior, noite.
Os dois estão do lado de fora da casa. Chega um taxi. Astrogildo leva as malas dela até o carro. Eles se beijam.
SOCORRO - Se comporta, viu, negão?
ASTROGILDO - (Malicioso) Eu vou me comportar que é uma beleza!
Corta Para:

Cena 06. Casa de Socorro. Interior, noite.
Ouvimos o barulho de um carro dando partida. Astrogildo entra correndo e vai direto para o telefone. Disca um número e aguarda uns instantes.
RAIMUNDA - (Em off., tel.) Alô?
ASTROGILDO - Raimunda, boa de cara e boa de bunda, te prepara: Estamos sozinhos, minha nega!
Corta para:

Cena 07. Taxi. Interior, dia.
O taxista dirige calmamente.
TAXISTA - Toca pra onde, madame?
SOCORRO - (Ansiosa) Toca pra rodoviária, seu moço!
Corta para:

Cena 08. Rua da rodoviária. Exterior, dia.
O Taxi para. Socorro desce e entrega ao taxista algumas notas e moedas.
SOCORRO - Obrigada, seu motorista!
TAXISTA - Nada, dona.
 Ela adentra a rodoviária.

Cena 09. Rodoviária. Interior, noite.
Socorro entra na rodoviária com suas malas. Ela é toda ansiosa.
SOCORRO - (A uma moça que vende as passagens) Mocinha, quanto está a passagem para Feijó, no Acre?
MOÇA - Senhora, nós só vamos tá tendo passagem para Rio Branco no Acre. Depois tu pega outro ônibus ou vai de barco mesmo.
SOCORRO - (Ofendida) Cacete! E quanto tá a passagem para Rio Branco?
MOÇA - Trezentos reais.
SOCORRO - (Espantada) Caramba, isso é um roubo!
MOÇA - A senhora me respeite que eu tô sendo só uma funcionária, tá? (Irritada) Desembucha aí, vai compra ou não?
SOCORRO - A sua sorte, mas a sua sorte, é que eu ganhei trezentos conto no sorteio da quermesse!
MOÇA - (Grossa) Teu ônibus é aquele lá, senhora. Vai e sai da fila.
SOCORRO - CARAMBA, como é que vocês querem que eu seja educada? É mole?
O Motorista vem ajuda-la.
MOTORISTA - Vai ajuda aí, colega?
SOCORRO - Vai. Segura minha nécessaire pra eu subir na escadinha.
MOTORISTA - (Observando a bunda da mulher) Que coisa enorme essa sua traseira, hein, patroa? Arrasou!
SOCORRO - (Ofendida) Me respeita, mané!
MOTORISTA - Desculpa aí... Delícia (Ele dá um leve tapa no traseiro da mulher, que sobe assustada)!
SOCORRO - (Off., pensamento) Ai meu Deus do céu, onde é que eu me meti? Vou dormir a viagem toda pra não escutar esse palhaço!
Corta para:

Cena 10. Ônibus. Interior, noite.
Socorro dorme e ronca. O Motorista vem se aproximando, de vagar, e tenta acorda-la. De início, ele fala baixo. Depois, grita.
MOTORISTA - (Cochichando) Moça? Moça? MOÇA? (Gritando) MOÇA?
Socorro acorda, ainda sonolenta.
SOCORRO - (Irritada) Mas que foi, hein, negão? Uma dama não pode nem repousar em tranquilidade por aqui?
MOTORISTA - Calma, princesa.
SOCORRO - Já são cinco da manhã? Já chegamos no Acre?
MOTORISTA - Ainda não. Estamos em Araporã, Minas Gerais.
SOCORRO - (Irritada) E por que diabos você me acordou, hein, ridículo?
MOTORISTA - É que eu dei uma paradinha aqui nesse posto para os clientes irem ao banheiro, comerem...
SOCORRO - Ótimo! Nesse caso vou até ir cagar, tô apertada!
Ela desce e entra no posto de gasolina.
Corta para:

Cena 11. Posto de Gasolina/Banheiro. Interior, noite.
Socorro entra no banheiro: Um lugar pequeno e extremamente sujo. Todo o momento ela faz cara de nojo.
SOCORRO - (Enojada) Deus do céu... Que coisa mais porca! Acho que vou vomitar! (Vitoriosa) Ainda bem que eu carrego o meu Mr. Músculo na bolsa!
Ela começa a passar o produto que tira da bolsa pelo banheiro. Enfim, quando termina, senta-se no vaso. Nesse momento a câmera vai para o lado de fora do banheiro, e começa a observar a porta. De lá ouvimos todos os sons que uma pessoa com dor de barriga consegue provocar.
Aparece a legenda: Quinze minutos depois.
Aparece a legenda: Vinte Minutos depois.
Aparece a legenda: Meia hora depois.
Ouvimos Socorro dizer:
SOCORRO - (Em off.) 'Pataquéopareo'... Faz meia hora que eu tô aqui...
As pessoas começam a entrar dentro do ônibus, o vemos.
SOCORRO - (Cont., em off., desesperada) O ônibus vai sair! Mas... Se eu sair daqui não vai dar tempo de eu me limpar!
O ônibus começa a sair. Socorro abre a porta e começa a correr, desesperada e sem ter vestido as calças. Uma tarja preta censura seu traseiro. Ela está enroscada em vários pedaços de papel higiênico, toda atrapalhada.
SOCORRO - (Correndo atrás do ônibus) Espera, caramba! As minhas coisas estão aí, espera!
Finalmente, não vemos mais o ônibus. Socorro fica perplexa, na rua. Ela cai de joelhos. Um carro quase a atropela.
SOCORRO - (Desesperada) Cacete... E agora? Perdi minhas coisas e ainda estou em Minas Gerais! (Pensativa) Bom, pelo menos de bunda suja eu não viajo!
Ela volta ao banheiro e fecha a porta.
Corta para:

Cena 12. Rua. Exterior, noite.
Socorro anda pela BR, cabisbaixa. Ela pede carona a todos os caminhões que passam. Ela observa uma placa: Sentido, Acre. Fica lá, observando os carros e caminhões.
SOCORRO - (Falando sozinha) O que é que eu fiz pra merecer isso, hein? Bom, pelo menos não pode ficar pior/
Nesse momento, ouvimos um trovão. Começa a desabar uma chuva forte.
SOCORRO - (Irônica) Hum...Acho que agora não pode piorar/
Um caminhão passa por uma poça e joga sobre ela muita lama. Ele para.
SOCORRO - (Irritada) Boca, pra que te quero?
O caminhoneiro desce. Ele é gordo e usa roupas gaúchas.
SOCORRO - Escuta aqui, companheiro, você por acaso é cego, hein?
CAMINHONEIRO - A senhora que me desculpe, mas eu achei que fosse uma assombração...
SOCORRO - Assombração é a avó! Mas, escuta aqui: Esse seu caminhão... Bonito ele, né?
CAMINHONEIRO - (Rindo) Mulher só entende se caminhão é bonito ou feio... Vai pilotar fogão, dona Maria!
SOCORRO - (Pensamento) Cretino que nem meu macho... (Falando) Desculpa, mas qual seu nome?
CAMINHONEIRO - Sandrão, a disposição.
SOCORRO - (Irônica) Que nome lindo, Sandrão! Mas então, pra onde você vai?
SANDRÃO - Para o Acre! (Pensando) Mas essa dona é burra, será que ela não leu a placa?
SOCORRO - Que maravilha! E... Pode me dar uma carona?
SANDRÃO - (Desconfiado) E o que eu ganho com isso?
SOCORRO (Maliciosa) Minha rapadura.
SANDRÃO - (Malicioso) Rapadura... Sei... Já te disseram que você tem um belo traseiro?
SOCORRO - (Assustada) Mas então, podemos ir?
Os dois entram no caminhão. Ele começa a dirigir. De repente, esclarece.
Corta para:

Cena 13. Caminhão de Sandrão. Interior, dia.
Socorro ainda dorme. Letreiro: 12 horas depois. Socorro acorda.
SANDRÃO - Até que enfim a Margarida acordou! (Pensamento) Não aguentava mais ouvir esse ronco de porco com hepatite. (Falando) Já posso receber meu prêmio?
SOCORRO - (Tirando o doce da bolsa) Aqui está, como prometido, uma rapadura!
SANDRÃO - Tô falando desse seu traseiro lindo! Tô doidão para/
SOCORRO - O senhor faça o favor de me respeitar, ouviu?
Sandrão para bruscamente o caminhão.
SANDRÃO - Então trate de descer aqui mesmo!
SOCORRO - Se eu fosse você não mexia comigo, ouviu?
SANDRÃO Tá falando do que, vagaba?
SOCORRO (Fingindo) Eu sou a Mãe Janaína e já estou baixando a Mãe Dinah! Se não me levar com você até o fim te faço uma macumba, viu? (Fingindo incorporar) Wenyeji watoto duniani tunaishi shikana kwa mikono na maracatu!
O motorista volta a dirigir, calado e com aparente medo. Socorro sorri.
Corta para:

Cena 14. Caminhão de Sandrão. Interior, noite.
Socorro dorme e ronca. Sandrão para o veículo.
SANDRÃO - (Acordando Socorro) Madame, acho que chegamos a Feijó.
Ela acorda, moribunda.
SOCORRO - Chegamos? Muito obrigado, Sandrão, pela carona. Espero um dia poder recom/
SANDRÃO - Desce logo, mulher!
Ela desce, xingando. O caminhão sai.
SOCORRO - Filho da (CENSURA)! Pelo menos cá estou eu... No Acre...!
Ela caminha até algum telefone público e disca.
SOCORRO - (Tel.) Alô? Quem fala?
ROSLENE - (Off., tel.) Alô. Roslene, com que gostaria?
SOCORRO - (Tel.) Roslene, menina, que voz de traveco! Nem reconheci. Sou eu, Socorro. Acabei de chegar em Feijó.
Neste momento, a câmera corta para a casa de Roslene e a vemos ao telefone. Ela mantém um semblante muito sério.
ROSLENE (Tel.) Então você chegou... PRIMA!
Roslene sorri.
Corta para:

Cena 15. Carro de Roslene. Interior, noite.
Roslene dirige séria. Socorro quebra o silêncio.
SOCORRO - Mas e aí, o que a tia Tina tem?
ROSLENE - A Tia Difuntina está sofrendo de pressão alta, diabetes, câncer nos ossos, câncer no fígado, no pâncreas, no intestino, no esôfago, anemia e tuberculose, coitada.
SOCORRO - Nossa... E ela sofre muito?
ROSLENE - Tia Difuntina é forte. A gente só soube que ela entrou nos últimos dias por que quando ela foi andar de skate ela caiu e bateu a cabeça. A gente foi fazer os exames e o médico descobriu um tumor no cérebro. Talvez ela morra hoje, amanhã, depois de amanhã. Tudo é incerto.
Socorro fica séria.
Corta para:

Cena 16. Casa de Difuntina. Interior, noite.
Roslene e Socorro entram.
SOCORRO - Tia? Titia? Cheguei!
ROSLENE - Ela tá no quarto, coitada.
Corta para:

Cena 17. Quarto de Difuntina. Interior, noite.
Socorro entra em silêncio no enorme quarto. As luzes estão apagadas. Difuntina parece dormir. Quando Socorro parece sair, a mulher acorda.
DIFUNTINA - Socorro... Se aproxime, minha sobrinha.
SOCORRO - Titia... Eu acho que já é tarde demais/
DIFUNTINA - Se aproxima logo, mocoronga. Quero falar com você.
SOCORRO Deve ser. Acho que não me chamaria aqui a toa.
DIFUNTINA - Pra te ver sofrer sim.
SOCORRO - Velha demoníaca! Bruxa, velha/
DIFUNTINA - Socorro, eu sei que nós nunca nos demos muito bem, mas... Eu tenho uma coisa para te entregar. Ali no armário. Pegue.
Socorro abre o armário e tira de lá uma caixa preta. Leva até a idosa. Nesse momento Roslene abre uma fresta da porta e começa a ouvir tudo, atenta.
DIFUNTINA - (Ela abre. Um diamante rosa brilhante) É... É sua herança! Estou deixando para você! O diamante mais raro e valioso do planeta... (t) Fragile!
CAM foca na expressão de choque de Socorro e de Roslene.

A Imagem congela, vira um diamante e derrete.

Nenhum comentário:

Postar um comentário