Cena
01. Clip, ruas. Exterior, dia.
Edição
apresenta um clip das ruas de São Paulo, 25 de Março. Comerciantes ganham a
vida.
Corta
para:
Cena
02. 25 de Março. Exterior, dia.
Estamos
na 25 de Março. Várias pessoas andam pelo local, e a área mais disputada é onde
ficam dois camelôs, um de frente para o outro: O de Socorro e o de Raimunda. As
mulheres falam alto, negociam preços com clientes, etc. O movimento de pessoas
começa a diminuir. As duas aparentam cansaço.
SOCORRO
- (Cansada, se sentando em uma cadeira) Ah!
Hoje o dia foi fogo... Tô cansada, pobrezinha, consumida.
RAIMUNDA
- Ninguém mandou você ser feia, pobre e
velha...
SOCORRO
- (Irritada) Velha? Meu amor, espelho incomoda
ou você não se olha nele mesmo?
RAIMUNDA
- Por que, filhote de Cruz Credo?
SOCORRO
- Raimunda, não provoca não, que eu não tô de
brincadeira, tá?
RAIMUNDA
- E eu tô? Se toca, ariranha! Eu tô falando
sério!
SOCORRO
- E se você não calar a boca eu vou aí e quebro
tua cara! Égua!
Socorro
suspira. Corta para:
Cena
03. Casa de Socorro. Interior, dia.
Estamos
em uma pequena casa suburbana, totalmente bagunçada. Deitado no sofá está
Astrogildo, de cuecas. Ele come pipoca e assiste a TV (Que no momento exibe o
clip de um funk qualquer, com mulheres sensuais), na qual está vidrado. Garrafas
de cerveja vazias jogadas no chão.
ASTROGILDO
- (A TV) Vai sua potranca, rebola essa comissão
de trás! Delicí/
Chega
Socorro.
SOCORRO
- (Chocada) Mas o que é isso? Hein, vagabundo?
ASTROGILDO
- Que mal tem, hein, cachorra? Eu sou macho,
pô. (Se assanhando) E você minha fêmea.
SOCORRO
- (Ofendida) Me respeita, Astrogildo...! Eu não
sou uma dessas tuas negas!
ASTROGILDO
- (Excitado) Vem cá, delicia, vem! Deixa eu te
usar!
SOCORRO
- (Preocupada) Eu? Não posso, Astrogildo!
ASTROGILDO
- (Mais excitado ainda) Mas por que não? Vem
logo, peituda/
SOCORRO
- (Irritada) Ô desocupado, eu tô cheia de
serviço, sabia? Acha que eu tenho tempo pra essas bobagens?
ASTROGILDO
- (Confuso) Acho... Tu é minha mulher!
SOCORRO
- (Irritada) Meu amor, eu trabalho, eu cozinho,
eu frito ovo, dou banho em cachorro e ando de chinelinho!
ASTROGILDO
- (Se irritando) Então vai te catar, cachorra.
Aproveita e pega uma cerveja na geladeira, vai.
Ela
joga um chinelo nele, que joga de volta. Socorro desaba em um sofá, e de
repente o telefone começa a tocar.
SOCORRO
- (Se levantando) Mas o que é isso? Um complô
contra mim? Essa gente não tem mais o que fazer?
Socorro
atende o telefone.
SOCORRO
- (Ao Tel.) Alô? (p) Sim, é ela. (p) Sim, sou sobrinha da dona Difuntina. (p) A um bom tempo que não vejo ela, sim.
(p) Ela tá doente?
(Chocada) (p) Quase
morrendo? (p) Eu preciso
ir ao ACRE? (p)
(Gritando) Tratar sobre uma HERANÇA? (p) Sim, eu vou. (p) Sim, hoje mesmo. (p) Cacete, não interessa se eu vou de ônibus ou avião. (p) Tá. Um beijo pra ela. (p) Tchau.
Socorro
tem uma expressão perplexa. Ela senta no sofá.
SOCORRO
- (Chocada) Tô 'perplecta'!
Cena
04. Quarto Socorro. Interior, noite.
Socorro
coloca várias roupas na mala, apressada, enquanto Astrogildo a observa, sério.
ASTROGILDO
- Mozão, cê tem mesmo que ir pro Acre?
SOCORRO
- (Apressada) Super tenho. Minha tia... Meu
tio... Ah, tá morrendo! E a velha é rica. Pra ter me chamado é porque quer me
dizer alguma coisa.
ASTROGILDO
- E quando cê volta?
SOCORRO
- Em menos de uma semana com certeza não.
Astrogildo
sorri, malicioso.
Corta
para:
Cena
05. Casa de Socorro. Exterior, noite.
Os dois
estão do lado de fora da casa. Chega um taxi. Astrogildo leva as malas dela até
o carro. Eles se beijam.
SOCORRO
- Se comporta, viu, negão?
ASTROGILDO
- (Malicioso) Eu vou me comportar que é uma
beleza!
Corta
Para:
Cena
06. Casa de Socorro. Interior, noite.
Ouvimos
o barulho de um carro dando partida. Astrogildo entra correndo e vai direto
para o telefone. Disca um número e aguarda uns instantes.
RAIMUNDA
- (Em off., tel.) Alô?
ASTROGILDO
- Raimunda, boa de cara e boa de bunda, te
prepara: Estamos sozinhos, minha nega!
Corta
para:
Cena
07. Taxi. Interior, dia.
O
taxista dirige calmamente.
TAXISTA
- Toca pra onde, madame?
SOCORRO
- (Ansiosa) Toca pra rodoviária, seu moço!
Corta
para:
Cena
08. Rua da rodoviária. Exterior, dia.
O Taxi
para. Socorro desce e entrega ao taxista algumas notas e moedas.
SOCORRO
- Obrigada, seu motorista!
TAXISTA
- Nada, dona.
Ela adentra a rodoviária.
Cena
09. Rodoviária. Interior, noite.
Socorro
entra na rodoviária com suas malas. Ela é toda ansiosa.
SOCORRO
- (A uma moça que vende as passagens) Mocinha,
quanto está a passagem para Feijó, no Acre?
MOÇA
- Senhora, nós só vamos tá tendo passagem para
Rio Branco no Acre. Depois tu pega outro ônibus ou vai de barco mesmo.
SOCORRO
- (Ofendida) Cacete! E quanto tá a passagem
para Rio Branco?
MOÇA
- Trezentos reais.
SOCORRO
- (Espantada) Caramba, isso é um roubo!
MOÇA
- A senhora me respeite que eu tô sendo só uma
funcionária, tá? (Irritada) Desembucha aí, vai compra ou não?
SOCORRO
- A sua sorte, mas a sua sorte, é que eu ganhei
trezentos conto no sorteio da quermesse!
MOÇA
- (Grossa) Teu ônibus é aquele lá, senhora. Vai
e sai da fila.
SOCORRO
- CARAMBA, como é que vocês querem que eu seja
educada? É mole?
O
Motorista vem ajuda-la.
MOTORISTA
- Vai ajuda aí, colega?
SOCORRO
- Vai. Segura minha nécessaire pra eu subir na
escadinha.
MOTORISTA
- (Observando a bunda da mulher) Que coisa
enorme essa sua traseira, hein, patroa? Arrasou!
SOCORRO
- (Ofendida) Me respeita, mané!
MOTORISTA
- Desculpa aí... Delícia (Ele dá um leve tapa
no traseiro da mulher, que sobe assustada)!
SOCORRO
- (Off., pensamento) Ai meu Deus do céu, onde é
que eu me meti? Vou dormir a viagem toda pra não escutar esse palhaço!
Corta
para:
Cena
10. Ônibus. Interior, noite.
Socorro
dorme e ronca. O Motorista vem se aproximando, de vagar, e tenta acorda-la. De
início, ele fala baixo. Depois, grita.
MOTORISTA
- (Cochichando) Moça? Moça? MOÇA? (Gritando)
MOÇA?
Socorro
acorda, ainda sonolenta.
SOCORRO
- (Irritada) Mas que foi, hein, negão? Uma dama
não pode nem repousar em tranquilidade por aqui?
MOTORISTA
- Calma, princesa.
SOCORRO
- Já são cinco da manhã? Já chegamos no Acre?
MOTORISTA
- Ainda não. Estamos em Araporã, Minas Gerais.
SOCORRO
- (Irritada) E por que diabos você me acordou,
hein, ridículo?
MOTORISTA
- É que eu dei uma paradinha aqui nesse posto
para os clientes irem ao banheiro, comerem...
SOCORRO
- Ótimo! Nesse caso vou até ir cagar, tô
apertada!
Ela
desce e entra no posto de gasolina.
Corta
para:
Cena
11. Posto de Gasolina/Banheiro. Interior, noite.
Socorro
entra no banheiro: Um lugar pequeno e extremamente sujo. Todo o momento ela faz
cara de nojo.
SOCORRO
- (Enojada) Deus do céu... Que coisa mais
porca! Acho que vou vomitar! (Vitoriosa) Ainda bem que eu carrego o meu Mr.
Músculo na bolsa!
Ela
começa a passar o produto que tira da bolsa pelo banheiro. Enfim, quando
termina, senta-se no vaso. Nesse momento a câmera vai para o lado de fora do
banheiro, e começa a observar a porta. De lá ouvimos todos os sons que uma
pessoa com dor de barriga consegue provocar.
Aparece
a legenda: Quinze minutos depois.
Aparece
a legenda: Vinte Minutos depois.
Aparece
a legenda: Meia hora depois.
Ouvimos
Socorro dizer:
SOCORRO
- (Em off.) 'Pataquéopareo'... Faz meia hora
que eu tô aqui...
As
pessoas começam a entrar dentro do ônibus, o vemos.
SOCORRO
- (Cont., em off., desesperada) O ônibus vai
sair! Mas... Se eu sair daqui não vai dar tempo de eu me limpar!
O
ônibus começa a sair. Socorro abre a porta e começa a correr, desesperada e sem
ter vestido as calças. Uma tarja preta censura seu traseiro. Ela está enroscada
em vários pedaços de papel higiênico, toda atrapalhada.
SOCORRO
- (Correndo atrás do ônibus) Espera, caramba!
As minhas coisas estão aí, espera!
Finalmente,
não vemos mais o ônibus. Socorro fica perplexa, na rua. Ela cai de joelhos. Um
carro quase a atropela.
SOCORRO
- (Desesperada) Cacete... E agora? Perdi minhas
coisas e ainda estou em Minas Gerais! (Pensativa) Bom, pelo menos de bunda suja
eu não viajo!
Ela
volta ao banheiro e fecha a porta.
Corta
para:
Cena
12. Rua. Exterior, noite.
Socorro
anda pela BR, cabisbaixa. Ela pede carona a todos os caminhões que passam. Ela
observa uma placa: Sentido, Acre. Fica lá, observando os carros e caminhões.
SOCORRO
- (Falando sozinha) O que é que eu fiz pra
merecer isso, hein? Bom, pelo menos não pode ficar pior/
Nesse
momento, ouvimos um trovão. Começa a desabar uma chuva forte.
SOCORRO
- (Irônica) Hum...Acho que agora não pode
piorar/
Um
caminhão passa por uma poça e joga sobre ela muita lama. Ele para.
SOCORRO
- (Irritada) Boca, pra que te quero?
O
caminhoneiro desce. Ele é gordo e usa roupas gaúchas.
SOCORRO
- Escuta aqui, companheiro, você por acaso é cego,
hein?
CAMINHONEIRO
- A senhora que me desculpe, mas eu achei que
fosse uma assombração...
SOCORRO
- Assombração é a avó! Mas, escuta aqui: Esse
seu caminhão... Bonito ele, né?
CAMINHONEIRO
- (Rindo) Mulher só entende se caminhão é
bonito ou feio... Vai pilotar fogão, dona Maria!
SOCORRO
- (Pensamento) Cretino que nem meu macho...
(Falando) Desculpa, mas qual seu nome?
CAMINHONEIRO
- Sandrão, a disposição.
SOCORRO
- (Irônica) Que nome lindo, Sandrão! Mas então,
pra onde você vai?
SANDRÃO
- Para o Acre! (Pensando) Mas essa dona é
burra, será que ela não leu a placa?
SOCORRO
- Que maravilha! E... Pode me dar uma carona?
SANDRÃO
- (Desconfiado) E o que eu ganho com isso?
SOCORRO
(Maliciosa) Minha rapadura.
SANDRÃO
- (Malicioso) Rapadura... Sei... Já te disseram
que você tem um belo traseiro?
SOCORRO
- (Assustada) Mas então, podemos ir?
Os dois
entram no caminhão. Ele começa a dirigir. De repente, esclarece.
Corta
para:
Cena
13. Caminhão de Sandrão. Interior, dia.
Socorro
ainda dorme. Letreiro: 12 horas depois. Socorro acorda.
SANDRÃO
- Até que enfim a Margarida acordou!
(Pensamento) Não aguentava mais ouvir esse ronco de porco com hepatite. (Falando)
Já posso receber meu prêmio?
SOCORRO
- (Tirando o doce da bolsa) Aqui está, como
prometido, uma rapadura!
SANDRÃO
- Tô falando desse seu traseiro lindo! Tô
doidão para/
SOCORRO
- O senhor faça o favor de me respeitar, ouviu?
Sandrão
para bruscamente o caminhão.
SANDRÃO
- Então trate de descer aqui mesmo!
SOCORRO
- Se eu fosse você não mexia comigo, ouviu?
SANDRÃO
Tá falando do que, vagaba?
SOCORRO
(Fingindo) Eu sou a Mãe Janaína e já estou
baixando a Mãe Dinah! Se não me levar com você até o fim te faço uma macumba,
viu? (Fingindo incorporar) Wenyeji watoto duniani tunaishi shikana kwa mikono
na maracatu!
O
motorista volta a dirigir, calado e com aparente medo. Socorro sorri.
Corta
para:
Cena
14. Caminhão de Sandrão. Interior, noite.
Socorro
dorme e ronca. Sandrão para o veículo.
SANDRÃO
- (Acordando Socorro) Madame, acho que chegamos
a Feijó.
Ela
acorda, moribunda.
SOCORRO
- Chegamos? Muito obrigado, Sandrão, pela
carona. Espero um dia poder recom/
SANDRÃO
- Desce logo, mulher!
Ela
desce, xingando. O caminhão sai.
SOCORRO
- Filho da (CENSURA)! Pelo menos cá estou eu...
No Acre...!
Ela
caminha até algum telefone público e disca.
SOCORRO
- (Tel.) Alô? Quem fala?
ROSLENE
- (Off., tel.) Alô. Roslene, com que gostaria?
SOCORRO
- (Tel.) Roslene, menina, que voz de traveco!
Nem reconheci. Sou eu, Socorro. Acabei de chegar em Feijó.
Neste
momento, a câmera corta para a casa de Roslene e a vemos ao telefone. Ela
mantém um semblante muito sério.
ROSLENE
(Tel.) Então você chegou... PRIMA!
Roslene
sorri.
Corta
para:
Cena
15. Carro de Roslene. Interior, noite.
Roslene
dirige séria. Socorro quebra o silêncio.
SOCORRO
- Mas e aí, o que a tia Tina tem?
ROSLENE
- A Tia Difuntina está sofrendo de pressão
alta, diabetes, câncer nos ossos, câncer no fígado, no pâncreas, no intestino,
no esôfago, anemia e tuberculose, coitada.
SOCORRO
- Nossa... E ela sofre muito?
ROSLENE
- Tia Difuntina é forte. A gente só soube que
ela entrou nos últimos dias por que quando ela foi andar de skate ela caiu e
bateu a cabeça. A gente foi fazer os exames e o médico descobriu um tumor no
cérebro. Talvez ela morra hoje, amanhã, depois de amanhã. Tudo é incerto.
Socorro
fica séria.
Corta
para:
Cena
16. Casa de Difuntina. Interior, noite.
Roslene
e Socorro entram.
SOCORRO
- Tia? Titia? Cheguei!
ROSLENE
- Ela tá no quarto, coitada.
Corta
para:
Cena
17. Quarto de Difuntina. Interior, noite.
Socorro
entra em silêncio no enorme quarto. As luzes estão apagadas. Difuntina parece
dormir. Quando Socorro parece sair, a mulher acorda.
DIFUNTINA
- Socorro... Se aproxime, minha sobrinha.
SOCORRO
- Titia... Eu acho que já é tarde demais/
DIFUNTINA
- Se aproxima logo, mocoronga. Quero falar com
você.
SOCORRO
Deve ser. Acho que não me chamaria aqui a
toa.
DIFUNTINA
- Pra te ver sofrer sim.
SOCORRO
- Velha demoníaca! Bruxa, velha/
DIFUNTINA
- Socorro, eu sei que nós nunca nos demos muito
bem, mas... Eu tenho uma coisa para te entregar. Ali no armário. Pegue.
Socorro
abre o armário e tira de lá uma caixa preta. Leva até a idosa. Nesse momento
Roslene abre uma fresta da porta e começa a ouvir tudo, atenta.
DIFUNTINA
- (Ela abre. Um diamante rosa brilhante) É... É
sua herança! Estou deixando para você! O diamante mais raro e valioso do
planeta... (t) Fragile!
CAM
foca na expressão de choque de Socorro e de Roslene.
A
Imagem congela, vira um diamante e derrete.
Nenhum comentário:
Postar um comentário